Histórias de minhas Lindóias
é o titulo do segundo livro do Dr Campos e Silva e foi entre elas que o destino escolheu o local para ele e a eterna companheira, Elzinha, nos deixarem.
E agora José?
Você nos deixou, inopinadamente, quem vai me dirimir as dúvidas sobre fatos, acontecencias e personagens antigas de nossa Terra para as garatujas que ando rabiscando?
Era sagrado, quase todas as tardes, entre 4h e 5h da tarde, parava um carro na frente de nosso Sebo e dele descia um elegante senhor grisalho.
Antes de março, quando ainda nos dávamos as mãos, ele nos cumprimentava: – toma 5 dedos. Ultimamente nos chamava, carinhosamente, de jumentos, com amor, com amizade, com cordialidade.
Nossas tardes não serão mais as mesmas. Vai sempre faltar o amigo culto, inteligente, lido, interessado e interessante, eclético, que entendia de tudo: futebol, música, literatura, politica, história, biografias, engenharia, filosofia, poesia…
Devorador de livros, lia de um tudo. Literatura Hispano-Americana, que pouco lemos, ele lia de quase todos os países da América do Sul; biografias de políticos: presidentes, governadores, milicos, lia todas; de cientistas, de músicos…
Quando o assunto era futebol ele escalava os craques dos times daqui: Palmeirinha, Estância Azul, Tamoyo, Rodo, dos clubes de São Paulo e do Brasil. Elogiava a categoria do béque Décio Fregonesi, do Ary Mantovani, cuja foto ilustra a capa de seu primeiro livro – Guia Histórico.
Entendia de musica erudita e de musica popular. Sabia tudo da vida dos cantores, fã de Frank Sinatra.
Companheiro inseparável do pai, Zé Bento um “self made man” dono de amizades ilustres de frequentadores do Hotel Glória, Zé Paulo conheceu, conversou com grandes autoridades de São Paulo e da Republica como Hermes Lima.
Convivemos desde 1955, quando, de Pau de Arara, um ônibus amarelo, antigo, de madrugada, nos abalávamos até Serra Negra pra fazer o ginásio.
Com saudade, com respeito recordávamos nossos professores, excelentes professores: Dolim, Mademoiselle Passarelli, Miss Leo, Gamaliel Lafranchi, Hélio Volponi, Julieta, Luizinha, Mafalda e o diretor Pedro Cintra.
Dois anos mais velho do que eu, não estudou no nosso ginásio, que não tinha cientifico. foi pra Bebedouro, Rio Claro, São Paulo e Taubaté onde se formou engenheiro.
Em São Paulo nos reencontramos e eu, ainda estudante, no quarto ano da faculdade, em 1965, fomos colegas no ginásio do Imirim onde eu começava minha carreira de Professor de Português e ele, engenheiro recém-formado, lecionou matemática.
Logo depois, concursado, ingressou na Secretaria de Saúde, como engenheiro, onde fez brilhante carreira até se aposentar.
Autoridade na área, deu aulas para médicos por esse Brasil afora, do Oiapoque ao Chui.
Aposentado, Elza diretora de escola aposentada, voltaram pras Thermas e fixaram residência no Barreiro.
Foi então que tivemos agradável e sólida convivência.
Recordávamos (como é bom recordar!) nossa Água Quente, nosso grupo Dr Tozzi, nosso clube Umuarama, nosso Cine Yara, nossa infância e adolescência felizes.
Recordávamos o centro velho de São Paulo, com seus inúmeros cinemas, com filmes inesquecíveis.
Recordávamos a Salada Paulista, ao lado do Cine Ipiranga, onde, num enorme balcão alto em U se comia em pé e os garçons marcavam a lápis, no balcão as parcelas com o valor do que se comia: delicioso croquete, salada de batata com duas salsichas eram os carros chefes.
O dinheiro era curto, mas mesmo assim, de vez em quando nos permitíamos um filé com agrião no Moraes, madrugadas alegres com colegas professores no Zilertal, no Garetão ou saboreando a famosa sopa de cebola no Ceasa.
Às vezes, divergíamos em nossas remembranças, o que gerou, ainda nesse “maledeto”2020 uma aposta de 50 reais, que eu perdi. Onde se localizava a Boite Stardust (que nome bonito!).
Concordávamos que era na praça Roosevelt ao lado da Igreja da Consolação. Para mim era do lado esquerdo de quem olha pra igreja, perto da Baiuca e do Cine Bijou, pra ele do lado direito, onde, elegante, erguia-se o Colégio Porto Seguro. Foi o Marinho da Méia que dirimiu a duvida, pois trabalhara lá. O Pó de Estrelas ficava mesmo no lado do Porto Seguro.
E eu conhecia a região como a palma da mão, porque, morador da rua Santo Antônio, atravessava, todos os dias aquela praça para chegar ao Mackenzie na Itambé com a Maria Antonia.
Anos depois morei bem em frente à igreja, na Teodoro Baima, ao lado do Teatro de Arena, atrás do Hotel Hilton, redondo.
E eu estava enganado. Paguei em livros, a aposta perdida.
Sempre, com um óculos pra perto, pendurado no pescoço, ele apanhava algum livro e dava uma olhada rápida na orelha e me indagava: – Maèzinho, você já leu?|
E agora, José?
O Maèzinho e a cidade toda estão muito tristes sem nosso Historiador, nosso mais Culto Cidadão!
Embora, politicamente, não amarrássemos os cavalos juntos, às vezes, Rodrigo e eu o provocávamos: como pode uma pessoa tão culta, tão bem informada, tão lida, tão inteligente admirar Garrastazu, Pinochet, a “redentora” de 64, o generalísimo Franco, caudillo de Espana com la gracia de Dios?
Ele retrucava: – esses esquerdinhas, esses esquerdóides não sabem da missa um terço, provando, cabalmente, que é perfeitamente possível amizade, grande amizade de pessoas que pensam diferente, na contramão do Brasil de Bolsonaro.
Motorista cuidadoso, várias vezes, me levou para São Paulo, onde tirei a carta, mas nunca dirigi. Deixava-me na Mooca, garimpando Sebos e se abalava até Santo André para matar a saudade da cidade onde morou por vários anos.
Sábado, dia 19 foi a ultima tarde que você bateu ponto em nosso Boteco. Premonitoriamente, sem percebermos, Rodrigo nos fotografou e, na semana anterior já o fotografara, na frente de uma estante exibindo seus dois livros.
Dr. Campos,
São muitas as manifestações internéticas. Várias delas dizem que um casal harmonioso, com mais de 50 anos de convivência, só podia partir juntos porque, qualquer um que fosse antes, deixaria muito triste o que ficasse. Sorte de vocês, azar nosso!
Há pouco, nas bodas de ouro, provoquei-o: Elza merece um troféu!
Você não se avexava em escancarar o amor que tinha pela companheira.
Amigo Campos e Silva,
não foram só seus familiares que choraram sua mudança pro andar de cima.
Ao tomar conhecimento do infausto ocorrido, seu amigo Rodrigo prorrompeu em prantos e soltou: Velho filho da p… por que você fez isso conosco?
Caro Zé,
a gente, amiúde, comentava que nossa classe de 1940 estava sendo convocada e você foi chamado, deixando profunda tristeza no companheiro que tanto o respeitava o admirava, que tive o privilégio de haurir de sua bagagem cultural.
Até um dia!!!
Ismael Rielli.