Entrevista com Paolo Pancioli sobre “Facismo”, por Ismael Rielli

“Meninos, eu vi” – Memórias de um adolescente que viveu na guerra, relato de vida. Ismael Rielli pergunta e Paolo Pancioli responde.

Descendente de Italiano pelas duas bandas sempre tive muita curiosidade pela terra de meus ancestrais. Não entendia por que na contramão de toda a Europa, a Itália optou por Hitler; por que o pegadio de Hitler a Mussolini.

Meu avô paterno estava por lá, durante a guerra, pertinho da Línea Gótica, na banda Alemã. Uma mina ceifou a vida de uma irmã de minha Avó Amábile.

Meu avô Batista, terminado o conflito, voltou neurótico de guerra, para Monte Sião.

Para mim, era tudo meio confuso naquele palco de batalhas entre Alemães, Italianos de um lado e do outro, Partegianis, Fascistas, Aliados – Americanos a quem nossos Pracinhas se incorporaram.

Visitar o pequeno cemitério de Pistóia onde jaziam o corpo de cerca de 480 pracinhas, foi emocionante demais.

Meu grande amigo Paolo Pancioli, de 90 anos, antigo frequentador de nossa terra onde adquiriu um apartamento, ainda em construção, no edifício Dolomiti do Ângelo Terzariol.

Paolo dirimiu-me todas as dúvidas: Monte Cassino, Monte Castelo, Línea Gótica, Fosse Ardeatine, Papa Pio XII, o resgate de Mussolini, Badoglio, Partegiani, Conde Ciano, Pettaci, Saló, execração em Milão daquele que tinha sido um mito.

Foi então que nasceu a ideia de transformar em entrevista essas conversas, que, esperamos, possam interessar a descendentes de Garfagnino: Paolo veio de Barga – abaixo da Línea Gótica; meu Avô, de Colli Comune de Caregine, acima da Línea Gótica.

Aqui nas Thermas, em Lindoia e em Monte Sião é grande o número de Oriundi – descendentes de Italianos.
Boa leitura!!!

 

“Meninos, eu vi” – Memórias de um adolescente que viveu na guerra (Ismael Rielli pergunta e Paolo Pancioli responde).

Ismael Rielli– Quando e por que eclodiu a 2 guerra?

Paolo Pancioli – No dia 1 de setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Em seguida a França e Inglaterra declararam guerra à Alemanha, em defesa da Polônia.

 

Ismael Rielli – Por que a Itália aderiu ao eixo com Alemanha e Japão?

Paolo Pancioli – Por motivos diversos:

– Gratidão e reconhecimento à Alemanha que não negou apoio moral e material à Itália durante a conquista da Etiópia.

Já a Liga das Nações aplicou sanções econômicas à Itália.

Só a Alemanha, Espanha, e USA mantiveram relações comerciais com a Itália.

– Uma identidade de posições e reivindicações territoriais perante os aliados, embora uma fosse derrotada (Alemanha), a outra vencedora (Itália) na 1 guerra.

Saíram derrotados: Alemanha, Império Austro Húngaro e Império Otomano.

– Admiração e respeito de Hitler por Mussolini que em poucos anos – 20 anos – assumiu o poder com a “Marcha sobre Roma” em 1922 – conseguiu por ordem e espicaçar o brio patriótico dos italianos. Uniu um país desunido, em formação.

– Os três: dois grandes – Japão e Alemanha e uma média Itália – também queriam desfrutar dos privilégios do primeiro mundo naquele tempo.

Embora derrotados, demonstraram o potencial que realmente tinham: hoje o Japão é a terceira potência mundial, a Alemanha, a quarta e a Itália, a oitava.

 

Ismael Rielli – É injusto comparar o fascismo ao nazismo?

Paolo Pancioli  – Acho suficiente dizer que o nazismo era dirigido por alemães; o fascismo por italianos. Genocídio nunca fez parte do ideal fascista.

 

Ismael Rielli – Hitler é o maior genocida da história, Mussolini também foi um genocida?

Paolo Pancioli – Para agir como agiu, o Fuhrer devia sofrer grave perturbação mental. Absolutamente, Mussolini não foi um genocida. Tenho certeza disso e não o digo como certeza apenas minha que o Ducce nem imaginava que campos de concentração alemães fossem também campos de extermínio.

Terminada a guerra, até os aliados se espantaram, ao encontrar câmaras de gás e fornos crematórios em campos de concentração.

Atribui-se ao Ducce a responsabilidade pela morte de um deputado de oposição – Matteoti. Mussolini encomendara um corretivo e não a morte.

 

Ismael Rielli– Mussolini era adorado ou odiado pelos italianos?

Paolo Pancioli – Até o inicio da guerra era adorado por mais de 80% da população. Durante e depois da guerra, odiado por quase todos os italianos.

 

Ismael Rielli – como foi o resgate de Mussolini por Hitler?

Paolo Pancioli – Foi cinematográfico. Exímios paraquedistas garantiram o pouso de um pequeno avião que aterrissou na encosta da montanha num exiguo planalto de Gran Sasso, nos Apeninos.

Deposto pelo Gran Concílio – do qual fazia parte seu genro Ciano – Mussolini, inicialmente foi levado para La Madalena no norte da Sardenha, um porto militar, de onde foi removido para Gran Sasso.

Resgatado, os alemães levaram-no a Roma e de lá para um palácio nos arredores de Munique, na Alemanha, sob a tutela e proteção de Hitler.

 

Ismael Rielli – Quem eram os Partegiani?

Paolo Pancioli – Inicialmente, os Partegiani eram soldados italianos que, com o armistício de Badoglio, não puderam voltar para casa – os alemães ainda dominavam a maior parte da Itália, centro e norte – para não serem presos pelos Tedescos, fugiram para as montanhas.

Com o armistício foram escancaradas as portas dos campos de concentração italianos, onde havia soldados ingleses capturados na guerra da Líbia (colônia italiana) e Egito (protetorado inglês).

Soltos, ficaram ao deus dará e muitos, para evitar cair nas garras dos alemães, fugiram para as montanhas, engrossando o contingente dos Partegiani.

Também aderiram aos Partegiani jovens italianos convocados pelo Ducce, mas não se apresentaram.

Já mais organizados, os Partegiani receberam, via aérea, dos aliados, armas e alimentos. Então os Partegiani, com guerrilhas, atacaram soldados alemães e fascistas.

 

Ismael Rielli – O que foi a republica de Saló? (Republica Sociale Italiana)

Paolo Pancioli – Para evitar um eventual governo militar alemão e, na tentativa de amenizar esse domínio militar, Mussolini acedeu à imposição de Hitler, montando um governo fantoche com sede em Saló, nas margens do lago de Garda, no norte da bota.

Esse segundo governo do Ducce durou de outubro de 43 a 25 de abril de 45, data em que Mussolini e a amante Clareta Pettacci foram sequestrados, quase na divisa com a Suíça, pra onde fugiam.

Execrado, seu corpo foi vilipendiado, chutado, cuspido, urinado e pendurado de cabeça pra baixo, ao lado da amante, na Piazzale loreto em Milão.

Depois de várias andanças, o corpo de Mussolini, finalmente, foi enterrado no cemitério de Predáppio, sua terra natal.

 

Ismael Rielli – O que foram Le Fosse Ardeatine?

Paolo Pancioli – Certo dia um contingente alemão, em cima de um caminhão, numa Rua de Roma, foi atingido por bombas do alto de um prédio. Morreram 33 alemães.

A lei era draconiana: 10 por 1, cada soldado alemão emboscado e morto, 10 civis eram executados.Portanto, 330 deviam ser mortos.

Quem? Os vizinhos do local do atentado?

Conseguiu-se um acordo com os comandantes nazistas.

Buscaram na prisão Regina Coeli, 330 presos levados pras grutas do arrabalde de Roma e sacrificaram-nos nelle Fosse Ardeatine.

 

Ismael Rielli – Mussolini não quis ou não pode evitar o fuzilamento do genro Conde Ciano, marido de sua filha predileta Edda?

Paolo Pancioli – Se Mussolini poupasse Ciano, teria que renunciar à chefia do governo, entregando a Itália (parte dela) à vingança Alemã. Ciano, membro do Gran Concilio aprovou a destituição do sogro com a consequente retirada da Itália da guerra (governo Badoglio) abandonando a Alemanha para os fascistas e para os alemães, um grande traidor que merecia a morte.

 

Ismael Rielli – O que foi a Linea Gótica?

Paolo Pancioli – Foi a ultima linha de defesa dos Tedescos e dos fascistas. Os aliados avançavam a partir de Nápoles de rota batida rumo ao norte.

A Linea Gótica cortava duas regiões: Toscana e Emilia: do Tirreno ao Adriático, numa extensão aproximada de 180 km.Começava entre Viareggio e Pietrassanta passando por Barga, Porreta – Terme e entre Faenza e Forli.

Do lado Adriático chegaram e pararam na Llínea Gótica a 5 armada americana, à qual nossos pracinhas pertenciam; do lado do Tirreno os ingleses da 8 armada, coadjuvados por poloneses, franceses e indianos.

 

Ismael Rielli – Por onde andaram e onde combateram nossos pracinhas?

Paolo Pancioli – Desembarcaram em Nápoles. Receberam armas e treinamento americano ali pelas imediações, com novos treinamentos em Pisa.

Primeiras escaramuças em Camaiore, de onde penetraram no vale do Serchio, até Barga e Somo Colônia no cume da montanha de onde enfrentaram os alemães na Linea Gótica rompida dia 17 de abril de 45, 10 dias antes do fim da guerra na Itália.

Em vista ao front em Barga, o marechal Dutra contou com a ajuda de um Ourofinense – Angelo Danilo Nardini – como intérprete.

O objetivo era conquistar Castelnuovo di Garfagnana em poder dos alemães. Ali não houve baixas.

Eu estava ali pertinho, em Barga. Vi e recebi os brasileiros na entrada da cidade. Nunca tinha visto um negro, foi o primeiro sargento da patrulha exploratória da região.

Chegaram em Barga dia 11 de outubro de 44 onde permaneceram até 2 de novembro, quando se abalaram para o front de Pistoia.

Ali morreram muitos pracinhas em duas tentativas frustradas e a terceira vitoriosa na conquista do Monte Castelo nos Apeninos, província de Pistóia, ponto mais alto da região.

É por isso que está em Pistóia o cemitério de nossos pracinhas. Hoje só as lápides com os nomes de nossos heróis, já que os restos mortais foram trazidos para o Brasil.

 

* Paolo Pancioli nasceu em Barga, em novembro de 1930. Está redigindo suas memórias e deve publicar a obra em breve.

* Ismael Rielli, Águas de Lindoia. É professor aposentado, jornalista, escritor e ex-vereador. Tem atualmente um ponto de cultura no Sebo do Ismael, em Águas de Lindoia. * colaboração de Rodrigo Martins na revisão.

 

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https://www.tribunadasaguas.com.br/2021/04/10/aos-mestres-com-carinho-por-ismael-rielli-homenagem-a-alfredo-bosi/